A Paula também quer falar do assédio

Em janeiro passado, a gente foi à 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em Minas Gerais, e lá conheceu a Paula Sacchetta. Ela é diretora de “Precisamos falar do assédio”, um longa-metragem com depoimentos de mulheres que sofreram assédio e violência sexual. O filme dialoga muito com o nosso “Se você contar” e isso deixou a gente bem contente porque mostra que o assunto é sério e mais pessoas acham urgente falar dele.

A proposta da Paula foi levar a lugares de grande movimento no Rio e em São Paulo, na Semana da Mulher de 2016, uma van adesivada com o nome do filme. Nela, mulheres que quisessem narrar os abusos sofridos ficavam sozinhas diante de uma câmera, com a opção de cobrir o rosto com uma máscara para não se identificarem. A repercussão da iniciativa foi tanta que filas se formaram nos lugares escolhidos e, ao final da semana, Paula tinha 140 depoimentos para montar o filme. Deles, 26 acabaram selecionados.

A exibição de “Precisamos falar do assédio” em Tiradentes foi seguida de debate. A gente trouxe duas perguntas (e respostas) para entender a relação da Paula com o filme, o tema e as personagens. A primeira foi feita pela diretora Mariana Barreiros, que levou à 20ª Mostra o curta “Autópsia”. A segunda é nossa mesmo.

É difícil lidar com um material tão hostil, tão duro, como os depoimentos do filme. Qual foi a sua estratégia de aparato psicológico, não só para você mas também para as mulheres que deram depoimento? Como você planejou esse acolhimento?

PAULA: Desde o início a gente tinha essa noção de que não podia chamar essas mulheres e dizer: “entra aí na van, fala sobre o seu estupro e tenha um ótimo dia”. Então a gente fez uma parceria com a Secretaria municipal de Política para as Mulheres (SP), ainda no governo Haddad, e o tempo todo, do lado de fora da van, havia uma psicóloga. Ela me falou: “não posso prestar um atendimento de pé na rua, mas posso fazer um encaminhamento”. E ela encaminhou muita gente que precisava, tanto para os órgãos públicos da prefeitura que fazem atendimento psicológico em grupo e individual, quanto para atendimento jurídico. […] Para nós, a gente não tinha estratégia. Eu me lembro de sair nos intervalos para almoçar e chorar muito. E a gente está lidando com isso ainda, até agora. No Festival de Brasília, por exemplo, eu me lembro de ter ficado no hotel num andar muito alto, e um dia eu entrei no elevador sozinha e atrás de mim entrou um cara. Eu saí do elevador. Pensei: “não vou sozinha no elevador com um cara até o 17º andar”. Mas isso era uma coisa que não teria me ocorrido antes. Eu nunca faria isso. Então, acho que foi irresponsável da nossa parte não ter feito alguma coisa assim pra gente também, está cada um lidando do seu jeito. E sobre essa questão do que aconteceu depois do filme, eu não tenho um caso meu, sério, de violência sexual. Eu tenho caso de assédios morais absurdos. E aí eu peguei um pouquinho dos traumas de todas […]. Eu não tinha a expectativa de que o filme ia me tocar tanto, mas ele me tocava. Aquilo não era meu e virou meu. Então, enfim, eu estou tentando lidar até agora com isso.

Você não conhecia previamente as suas personagens, elas deram um depoimento que você não viu no momento da gravação, e você as encontrava apenas na saída da van. Depois, teve que assistir a todos esses 140 depoimentos que tratavam de aspectos tão íntimos dessas mulheres e colocá-las no filme. Como você lidou com isso eticamente no processo de edição do filme?

Era exatamente isso. Eu colocava (as mulheres dentro da van) de um jeito e, quando saíam, não tinha ideia do que elas tinham dito para a câmera. Só fui saber depois de duas semanas, na ilha de edição. E na ilha a gente teve que fazer algumas escolhas. Havia, por exemplo, meninas muito novas que tivemos que pedir autorização aos pais. Elas entravam na van e contavam a história, não tinha pré-entrevista, apenas uma ficha de contato e algumas informações. E eu me coloquei muito nesse lugar de cuidar delas. Uma menina menor de idade que se expunha muito a gente preferiu deixar fora. Então a gente teve um filtro grande na escolha, muito cuidado. Mas acho que o maior teste do que estávamos fazendo foi, depois do primeiro corte, exibir o filme para elas. Era um risco, a gente poderia ter ficado sem filme no dia seguinte, porque muitas poderiam desistir ao se ver na tela tão exposta, todas poderiam. Mas não foi o que aconteceu. Ao contrário. Não apenas nenhuma pediu para sair do filme depois de assisti-lo como algumas que tinham decidido participar com voz distorcida pediram para retirarmos a distorção.

20ª MOSTRA TIRADENTES- Sessão – Debate. Precisamos Falar Do Assédio. Local: Cine-Teatro SESI – Foto Beto Staino/Universo Produção

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